Ser Repórter é...

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terça-feira, 15 de junho de 2010

O Naufrágio

Por Mônica Figueiredo

5 de abril de 2009. Domingo de Ramos. Plantão. Durante a ronda policial finalmente lembrei de ligar para o Corpo de Bombeiros. Ocorrência: naufrágio no município de Itacoatiara. A pessoa que me atendeu tinha poucas informações para passar. Apenas o nome do barco, possível hora e local aproximado.

Meu plantão naquele dia se resumiria a cobertura da missa de Ramos na Catedral e um homicídio. Se resumiria. Na minha agenda busquei algum número de Itacoatiara. Achei um que dizia ser da Capitania dos Portos. Errado: era de um cidadão qualquer que por sorte sabia do ocorrido. Barco Dona Zilda, X passageiros, Y desaparecidos. Ótimo, dava pra fazer algo. Segui para minhas outras pautas.

Já estava na Catedral quando a secretária da redação me ligou dizendo que o "chefe" queria que eu fosse pra Itacoatiara. Queria que eu fosse e rápido! Comuniquei o fotógrafo que estava comigo, ele não gostou da ideia, mas fazer o que.

Como sou teimosa, decidi passar em casa para pegar meu computador e alguma roupa. - Pra que? você vai voltar hoje ainda! Nem vai precisar! me falaram! ok mas, sou teimosa.

Em menos de uma hora, já estávamos na estrada. Eu, o fotógrafo e a equipe da TV. Em quatro horas (ou menos) chegamos em Itacoatiara e fomos informados que o naufrágio tinha ocorrido no local distante a uma hora de voadeira (aquelas lanchas). Fomos com o prefeito (detalhe: eu morro de medo de voadeiras) .

Para encurtar a história foram cinco dias de buscas e nada de encontrarem os corpos e o barco. Foram horas e horas de espera no rio Amazonas íamos por volta das 7h da manhã e voltávamos às 19h. No primeiro dia foi tranquilo, a partir daí a coisa desandou. Não tínhamos notícias e seis pessoas estavam desaparecidas. Voltamos pra Manaus no segundo dia e no dia seguinte encontraram um corpo e tivemos que retornar.

Já estava esgotada física e psicologicamente. Tinha que dormir tarde, num hotel, depois de enfrentar a péssima conexão de internet de uma lan house para passar o material. Durante o dia vimos outro corpo ser resgatado, mas estávamos voltando do almoço e perdi a cena. Até aí tudo bem.

O último dia de busca foi o pior dia da minha vida. Estava no barco acompanhando quando um corpo de uma das vítimas boiou na minha frente. A cena mais horrível da minha vida, vez ou outra ainda tenho pesadelos. Não apenas pelo corpo em si, mas pelo fedor devido ao avançado estado de decomposição. Já era tarde, estava escurecendo, estava num barco no meio do rio Amazonas ouvindo o barulho de um monte de bichos estranhos (pra mim) e ainda tinha gente morta embaixo de mim!

Depois desse boiaram os outros. Eu já estava com o texto quase pronto esperando apenas a quantidade de corpos. Mas, estava nervosa, com medo e passando mal. Liguei para minha editora (quase chorando) e passei o texto por telefone. O câmera da TV passou mal e eu não estava legal também. Vomitei dentro do rio!

Voltamos todos em silêncio. No meio do rio era tudo tão escuro que ninguém enxergava nada! Fomos bater no hospital e adivinhem: os corpos tinham sido levados pra lá. Todo o quarteirão estava podre. Fomos bater na delegacia e descansamos num único lugar pra sentar que tinha: um velho banco de madeira.

Voltamos para Manaus nesse mesmo dia e aquelas imagens não saiam da minha cabeça. Todo mundo dormiu no carro (até o motorista eu acho) menos eu! Gente chorando, familiares desesperados, falta de notícias. No porto eles esperavam a nossa chegada como se tivéssemos boas notícias. Mas, não!

Foi muito triste e estava abalada! O depoimento ficaria muito longo se eu contasse tudo aqui! Naquele momento passei a ter certeza que não somos nada. E que não vale a pena as pessoas serem tão esnobes se terão o mesmo fim que aquelas pessoas que no momento de desespero ficaram presas no barco e perderam suas vidas.

TODOS OS TEXTOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO COINCIDINDO, NECESSARIAMENTE, COM O PONTO DE VISTA DA EQUPE VIDA DE REPÓRTER

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. poluindo o rio hein, monica! kkk
    entendi a função do blog: fazer com que outras pessoas não caiam no mesmo erro que a gente e escolham uma profissão melhor... :)

    fazer polícia foi essencial pra mim, mas definitivamente não tenho saudade.
    ps.: amanhã postem uma piada!

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  3. hahaha pelo menos eu alimentei os peixes hen Eric...haha pow tinha comido churrasco naquele dia... saiu tudinho!!! #nojento!

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  4. Vida de Reporter realmente não é fácil.
    Se para mim pobre leitora me comovo com o que vcs escrevem.
    Imagino como deve ser para voce está lá acompanhando tudo.
    Muito bom seu depoimento. Parabens!!!!
    Bjss
    @arezacanto

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