Ser Repórter é...

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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Comecei do nada. E hoje...sou coisa nenhuma!

Por Carlos Eduardo Matos

Estou no Jornalismo há exatos 10 anos. Comecei trabalhando no jornal impresso Amazonas em Tempo, na época, sob a batuta de Menga Junqueira.

Embora tenha passado pouco tempo ali, nunca vou esquecer daquela fase de foca. Foca mesmo, do tipo que o lendário fotógrafo Raimundo Valentim interpreta: “Pato novo não mergulha fundo...”. Pois é, mas, de cara, me impressionei com aquela redação, velha, desorganizada, com o piso cheio de buracos tapados com golda de cimento. Dezenas de computadores velhos, teclados desgastados.... mesas abarrotadas de papéis riscados, prints de páginas amontoadas sem o mínimo sentido de organização.

A redação, porém, era pujante. À tarde, os jornalistas lotavam o segundo andar daquele prédio velho no bairro Santo Agostinho. Enquanto uns se atarefavam fazendo suas ligações (se escabelavam com a falta de linhas telefônicas) e escrevendo loucamente - de longe de se ouvia o bater das teclas. É que muitos jornalistas ainda eram do tempo das máquinas de escrever e levaram à mania pros computadores -, outros estavam reunidos no fundão batendo um papo, esparando o carro da reportagem, uma ligação, talvez (estou dando motivo para a desocupação, hein...). Outros estavam no pátio fumando, conversando coisas de política, economia, o caos da cidade, enfim. Reuniam-se naquela varanda ninguém menos de Aldísio Filguieiras, Flávio Assen, o Seabra, César Augusto, Osmir, entre outras feras. Sem falar do cheiro de tinta de jornal que circulava em toda a redação. O ambiente era de total desordem, mas o Jornalismo era a alma dali. Fiquei fascinado. Quem trabalhou no Em Tempo naquela época sabe do que estou falando.

O editor de cidades, Augusto Banega, me aceitou porque topei trabalhar de graça. Eu sou filho do amigo do ex-marido de Menga, Marcílio Junqueira, que pediu um favor ao velho de Urucurituba. Apesar da indicação, o teste não foi fácil. Eu estava no quarto período da faculdade. Fiz uma matéria baseada num release. Texto curto, objetivo, com citação e tal. Fiz umas ligações. Direitinho. Banega ficou animado. “Legal. Volta amanhã e vou te dar três pautas”, disse o editor de cidades, com aquela voz altiva, mas embargada, que mal dá pra entender na primeira vez. Se não quiser ficar no vácuo, é bom pedir pra ele repetir o que falou. O cara fala tão rápido que mal mexe os lábios pra pronunciar as palavras. Ruim nas palavras, mas bom nos textos. O barulho que ele fazia no teclado do computador se ouvia na recepção do jornal. Sem exagero.

No dia seguinte, vieram as três missões. O serviço foi pedreira. No outro dia, mais três. E assim foi. Minha vida no Em Tempo foi de altos e muitos baixos. Dias em que quando botava a cabeça no travesseiro, chorava ao lembrar dos esporros em alto e bom som do Banega pra toda a redação ouvir. Era o charme do Banega pegar no pé dos repórteres. O chamado dele por mim ecoava na redação: “Du!!!!! Vem cá!!!”. Era para eu explicar algo não muito claro no texto. Já ia de costas.

Certo dia, depois de tantas matérias mal escritas e de tantos esporros, Banega perdeu a paciência. “Não tenho mais como te ajudar. Vou falar para Menga que você não serve. Meu amigo, vai pra casa, porque jornalista você não vai ser nunca”, aconselhou-me o editor, já puto com tanta merda que eu havia feito.

Um belo dia, um sábado de sol forte, fui escalado para cobrir o cadastramento de candidatos a emprego na área de saúde do Estado. A fila de candidatos passava de 500 metros. O fotógrafo era o Juca Queiroz, hoje do jornal A Crítica. Estamos no pátio da Susam (Secretaria de Estado de Saúde), apurando, conversando com os candidatos. Começa um tumulto no lado de fora. Policiais do Batalhão de Choque chegam. Sem querer saber o que estava acontecendo, um dos policiais atira uma bomba de gás lacrimongênio.

O que esse idiota fez, na verdade, foi o mesmo que explodir o local. As pessoas derrubaram o muro da Susam e invadiram a sede da secretaria, assim que souberam que o processo seletivo fora suspenso. O local virou um campo de batalha. Batalha, mesmo. Gente dando porrada nos policiais, policiais dando porrada até em mulheres grávidas. Uma bomba foi jogava próximo de mim. Minha vista embassou, a garganta fechou e eu quase apaguei ali. Com a pouca visão que tinha, vi o Juca que nem um louco tirando as fotos e com a mão esquerda segurando a gargarta, também se fechando com o efeito do gás. Até que ele também caiu no chão esfregando os olhos vermelhos.

A cavalaria da PM fez sua parte. Soldados jogavam os cavalos em cima das pessoas, davam pancadas de cacetete em quem aparecia na frente. Mais bombas. A Avenida André Araújo fechou. Fiquei tão indignado com aquela cena de barbárie que já estava ajudando as pessoas a saírem daquele inferno.

Toda a raiva, a angustia, o choro no peito e a dor se transformou em um texto de 5 mil caracteres, espalhados em uma página inteira, na capa de cidades. A foto, nem se fala: uma imagem à contra-luz de um policial atirando uma bomba de gás para o alto e uma pessoa caída no chão. Perfeita.

Foi a melhor matéria que escrevi até hoje. Na segunda, depois de três pautas executadas, ouvi um grito do fundo da redação: “Du!!!”. Quase fui até o jarro de areia na varanda pegar um pouquinho. Pra minha surpresa, Banega estendeu a mão: “Parabéns!”. Foi só. Mas foi o suficiente pra voltar a acreditar em mim, na merda que estava fazendo em seguir a carreira jornalística. Em oito meses no Em Tempo, aquele foi o único elogio do Banega. Uma vitória. Apesar de ser o jornal menos lido, o Em Tempo foi uma grande escola. Não sei se isso ainda existe. Paixão é sempre assim: se vê corações onde só há espinhos. Minha paixão por esse desafio foi tão grande que toda matéria que fazia, assinada opu não, eu destacava e colava na parede do meu quarto. Coisa de foca, mesmo.

Ahh...só pra registrar: fui contratado. O piso do jornalista era R$ 800, mas fiquei feliz com R$ 450 ao mês.

TODOS OS TEXTOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO COINCIDINDO, NECESSARIAMENTE, COM O PONTO DE VISTA DA EQUPE VIDA DE REPÓRTER

Um comentário:

  1. Nossa! Que massa, Cadu! Boa história. Lição de humildade e aprendizado. Acho que jornalista é igual mulher de malandro: apanha, mas gosta! Um paixão ambígua de êxtase e ingratidão. O que nos faz repensar todos os dias a escolha profissional que fizemos. Meu casamento com o jornalismo já dura três anos e ainda está na fase daquele amor que a gente conhece todos os defeitos, mas continua amando Rsrsrs

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